Por [Gebson Assunção ] – Portal Carajás em Foco
Crônica cultural – Memória e Patrimônio Artístico
Era 1964 — um ano em que o Brasil tremia em suas estruturas políticas, mas, paradoxalmente, pulsava em fervor criativo. Entre incertezas e rupturas, uma sala modesta tornou-se palco de um encontro sublime, que nem os mais caprichosos roteiristas ousariam imaginar: cinco figuras monumentais, cujas trajetórias entrelaçam-se como costura fina no tecido da identidade nacional, imortalizadas por uma fotografia que é, em si, um relicário visual.
À esquerda, Moacir Franco, com sua aura serena e olhos faiscantes de engenho e afeto. Homem de múltiplos talentos — cantor, ator, compositor, humorista — ele representava, naquele momento, a tessitura delicada da memória afetiva brasileira: o sofá da sala, o riso espontâneo do auditório, a lágrima furtiva ao final da canção.
Ao seu lado, discreto mas essencial, Francisco Dantas, figura carismática do audiovisual nacional, preparando o terreno para o que viria em seguida: o inconfundível Amácio Mazzaropi, o “caipira maior”, cuja genialidade reside na alquimia improvável entre a singeleza do campo e a sofisticação da linguagem cômica. Com sua fala arrastada e olhos de ternura, Mazzaropi foi muito mais que um artista — foi a encarnação cinematográfica de um Brasil profundo, pré-industrial, esquecido e, por isso mesmo, urgente.
No centro da composição — como convém às joias raras — está Marília Pêra. Jovem, mas já portadora de uma aura que atravessaria décadas. Seu olhar, captado no instante exato entre o passado e o futuro, traduzia a promessa do esplendor. Nos palcos e nas telas, ela seria tempestade e bonança, ferida e cura, verbo e silêncio.
E à direita, como se o próprio tempo o reverenciasse, Procópio Ferreira. Um homem cujo nome é sinônimo de palco, cuja voz ressoava como sineta sagrada nos ouvidos dos que amam o teatro. Sua presença é a âncora da imagem — o elo entre o erudito e o popular, entre o classicismo europeu e a verve tropical que define o Brasil.
O que aquela imagem retém não são apenas cinco presenças ilustres, mas o suspiro de uma época em que a arte era sangue quente nas veias de um país em ebulição. Um Brasil que se pensava através de seus artistas, que se compreendia por meio do riso, da lágrima, da interpretação sublime. Um Brasil que resistia — e resiste — pelo poder transformador da cultura.
Ao contemplarmos hoje esse retrato, mais que nostalgia, sentimos reverência. Estamos diante de um monumento invisível, esculpido não em pedra, mas em talento. E nesse monumento vive, ainda que em silêncio, a alma plural do povo brasileiro.
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